quarta-feira, 2 de março de 2011

Anderson riu

Cidade Tiradentes, 22 de fevereiro de 2011, capturando retratos na beirada da favela próxima ao terminal de ônibus.
Anderson (se não me engano), 8 anos (ao que me parece), se aproxima de bicicleta, acompanhado de uma menina. Ele, magricelinho e sem camisa. Ela, rolicinha e cheia de graça. Ele pára diante da câmera e abre um sorriso econômico, todo comido pelas cáries. Meu instinto materno não se aguenta e eu solto um "alguém não tem escovado muito bem os dentes...". Ao que ele responde para a câmera: "meus dentes ainda estão podres". Eu peço licença para o retrato e ele assente. Peço que sorria e ele se recusa: "já dei". E o diálogo segue mais ou menos assim:
Eu: não sai mais um sorriso?
Anderson (se não me engano): não. O outro é secreto.
Eu: secreto?
Ele: é. meu sorriso é muito poderoso.
Retrato feito mesmo sem sorriso, ele pede que façamos também o da menina, que sorri generosamente, sem nenhuma cárie. O nome dela? Aninha, com certeza. É sua irmã.

terça-feira, 1 de março de 2011

Águas por aqui e por lá

28 de fevereiro de 2011: os protestos na Líbia e em outros países do Oriente Médio e norte da África quase que desaparecem dos noticiários da tv, literalmente inundados por imagens dramáticas da capital paulista absolutamente parada pela intensidade das chuvas. Desesperada! O Rio Tietê, convertido em vilão da história, cuspia suas águas fétidas pelas vias marginais e os telespectadores lamentavam a situação dos pobres cidadãos surpreendidos ainda em fevereiro pelas águas de março, ao mesmo tempo em que agradeciam aos céus por estarem secos e seguros diante da televisão.
Dias antes, gravava entrevistas para um documentário no município de Jaguaré, no Espírito Santo, quando o tempo fechou. Céu forrado de pesadas nuvens negras, raios caindo bem perto da escola onde colhíamos um depoimento: "ih, lá vem  chuva. E vai ser daquelas!". Foi o comentário que deixei escapar num tom francamente preocupado, reação reflexa de minha experiência urbana de rios canalizados, bueiros entupidos, chão coberto de asfalto, geografia transtornada. "Graças a Deus!", diziam os companheiros agricultores olhando para o mesmo céu. Não caía uma gota, tinha tempo. Terra seca, sol de rachar o coco. A chuva veio, encheu o ar daquele cheiro gostoso de terra molhada, correu para os rios. Caipira da cidade, me senti uma tola com medo da chuva.
Na volta para São Paulo, chegando por Congonhas, foi entrar no taxi e encarar os primeiros vinte minutos de trânsito, para ouvir um trovãozão distante, ameaçador. Tola ou não, quando me dei conta já resmungava:  ah não, chuva não!